terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Pulp Fiction: A prova de amor de Tarantino ao cinema.

Não é todo dia que vemos um diretor causar tanto impacto na indústria cinematográfica como Quentin Tarantino causou com sua obra “Pulp Fiction” em 1994. Em 1992 já havia chamado atenção do aclamado ator Harvey Keitel e do produtor Lawrence Bender com “Cães de Aluguel“, filme de estreia do diretor. O motivo da atenção atraída era – por incrível que pareça – a simplicidade, o cotidiano, os diálogos banais que temos dia a dia colocados em situações incomuns. E é exatamente isso um dos  vários méritos que fazem Pulp Fiction ser atemporal e tão influente para o cinema.
Lawrence Bender citou: “Pulp Fiction é aquele filme de máfia com as cenas que qualquer diretor comum cortaria do filme.” Eu não poderia descrever melhor. Tarantino não pensa em demonstrar apenas a parte “importante” da cena, ao invés de cortar para a famosa cena do discurso “Ezequiel 25:17”, ele mostra os dois temidos assassinos Jules e Vincent conversando sobre massagens em pés, hambúrgueres, programas de TV, antes de irem assassinar alguns garotos a mando de Marsellus Wallace como se estivessem em um churrasco no fim de semana. É nesse quesito que Tarantino se diferencia.
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A ideia do diretor não era lançar um longa metragem, e sim 3 curtas separados. Sem interligações nas histórias e dirigidos por pessoas diferentes. Contatou Roger Avary (ganhador do Oscar por Roteiro Original ao lado de Quentin), que foi responsável pela história do pugilista Butch (interpretado por Bruce Willis). Tarantino tinha escrito a história em que Vincent leva Mia Wallace para o restaurante, e já tinha escrito e criado o personagem Jules para Samuel L. Jackson algumas semanas depois de “Cães de Aluguel” (Samuel fez audição para “Cães de Aluguel”, Tarantino adorou, mas não conseguiu encaixá-lo no filme. Tinha gostado tanto que escreveu um novo personagem para o ator). Após o diretor perceber que tinha um material incrível e suficiente para um filme, resolveu interligar as histórias e transformá-las em um longa metragem.
O que a maioria dos diretores fazem quando envolvem roubos, máfia, assassinos de aluguel, etc, é demonstrar o que muitos considerariam “importante” para a cena em si. Um exemplo: Em “Goodfellas” do diretor Martin Scorsese, a cena inicial envolve Joe Pesci, Robert De Niro e Ray Liotta matando um cara em um porta malas de um carro, mas Scorsese corta diretamente para eles parando o carro e matando. Se fosse Tarantino responsável pela direção, com certeza teríamos alguns minutos dentro do carro com os mafiosos, observando suas discussões enquanto prendem alguém no carro. É essa a diferença, Quentin nos mostra as conversas banais, os momentos em que esses mafiosos desprovidos de ética são como nós, discutindo coisas que qualquer um discutiria em momentos livres de suas vidas.
Além dessa perspectiva interessante, promove a aproximação do público com os assassinos, uma tentativa de identificação e talvez até uma certa criação de empatia com os personagens.
Jules Winfield simpatiza com Brett antes de matá-lo.
Jules Winfield simpatiza com Brett antes de matá-lo.
O interessante de Pulp Fiction é que ele também se sustenta em referências e homenagens à cultura pop e filmes que Tarantino venera. Veja algumas abaixo:
• John Travolta estava em um momento morno de sua carreira, muitos consideravam que sua fama era passageira e que já começava a ser esquecido. Além de trazer o ícone de “Embalos de Sábado a Noite” e “Grease” de volta aos holofotes, faz uma homenagem ao próprio Travolta e ao motivo de sua fama nos anos 70.
John Travolta em "Carrie" (1976); "Grease" (1978; e "Pulp Fiction" (1994.
John Travolta em “Carrie” (1976); “Grease” (1978); e “Pulp Fiction” (1994).
• O discurso de Samuel L. Jackson, segundo o roteiro é uma passagem na Bíblia, porém, apenas o começo faz parte do livro sagrado. E não foi Tarantino que o adaptou, o mesmo discurso – com pequenas diferenças – aparece também em “The Bodyguard“, estrelado pelo ídolo de Tarantino, Sonny Chibba.
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• O restaurante Jack Rabbit Slim’s que Vincent e Mia vão é composto por ícones da cultura pop, Buddy Holly, Marilyn Monroe, James Dean, entre outros.
Buddy Holly é interpretado Steve Buscemi.
Buddy Holly é interpretado por Steve Buscemi, o Mr. Pink de “Cães de Aluguel”.
Uma das maiores inspirações para Tarantino em seus filmes são os romances, principalmente os de Elmore Leonard (o escritor favorito de Quentin). Segundo o diretor: “Eu sempre achei a fórmula dos romances fascinante, a estrutura não linear em formas de capítulos. É algo que eu sempre me perguntava ‘Por que isso não esta sendo usado no cinema?” Em 1997, 3 anos após Pulp Fiction, Tarantino viria a adaptar um romance de Elmore: “Jackie Brown“.
Quentin Tarantino sempre gosta de brincar com os espectadores, seja com algum mistério no enredo do filme, ou com pequenos detalhes que causam um certo alvoroço entre os fãs. Em “Pulp Fiction“, o diretor nunca mostra o que há dentro da maleta de Marsellus Wallace. Algumas teorias dizem que contém a alma de Marsellus, outras dizem que é a maleta com diamantes do roubo previamente vista em “Cães de Aluguel“. O diretor nunca explicou o que há realmente na maleta, e eu entendo porquê. As respostas nem sempre são interessantes, colocar a dúvida na cabeça de quem está assistindo é algo mais pessoal, cada um imagina e interpreta o que quiser.
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A obra de Quentin fez muito sucesso, arrecadando mais de 200 milhões em sua bilheteria. Além de vários prêmios ao redor do mundo,  incluindo “Melhor Roteiro Original” no Oscar e a aclamada Palma de Ouro no Festival de Cannes. O curioso é que o custo de produção do filme foi de apenas 8 milhões de dólares.
Além de “Pulp Fiction“, outros filmes excelentes marcaram o ano de 1994. Entre eles: “Forrest Gump“; “Um Sonho de Liberdade“; “O Profissional“; “O Corvo” e “Assasinos Por Natureza“. Aliás, a década de 90 é considerada por muitos uma das mais importantes da história do cinema. Tarantino havia alcançado o estrelato, Hollywood finalmente estava reconhecendo seu talento e dando grande importância ao seu nome. Uma das maiores obras já feitas, por um dos maiores diretores de nossa geração.

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